O público português é muitas
vezes referido como não tendo hábitos de leitura e diz-se que os novos autores
escrevem para a gaveta. Concorda?
O público português lê muito
pouco. Há uma grande resistência à leitura e esta é substituída pela multimédia,
sobretudo a televisão e o vídeo. Os fracos hábitos de leitura têm várias causas
e provavelmente a escola não é a principal. Creio que - em parte - o "embrutecimento
literário e cultural" do nosso povo se deve sobretudo à Comunicação Social que
temos, em particular a televisão. Repare-se: só se vê futebol e política e
pouco mais. É quase por favor que se fala de um autor, de um livro, e de um
qualquer evento à volta de um livro ou de um autor.
Quanto
aos autores que escrevem para a gaveta, tal procedimento faz parte do princípio
destas coisas; isto é, publicar, partilhar com os outros, é sempre um acto de
coragem, de ousadia, mas também de espera. Costumamos dizer que o tempo é o
melhor amigo em questões de Literatura. É necessário que os trabalhos
amadureçam. Quantos vezes nos precipitamos e no dia a seguir quase que não nos
reconhecemos nas "coisas" que fazemos. Escrever para a gaveta é o primeiro passo
- é sagrado. Se os trabalhos forem realmente interessantes, mais cedo ou mais
tarde irão ver a luz do dia.
A que pensa que se deve essa
falta de interesse pela Literatura?
O gosto pela Literatura educa-se.
Tem a ver com a Escola, com a tradição familiar e com a formação em geral do
indivíduo. Aqueles para quem a Literatura ainda não é interessante é porque
ainda não descobriram - o que se lamenta profundamente - que, como dizia
Pessoa, «a Literatura, como toda a Arte,
é uma confissão de que a vida não basta». Ora, constatamos dia-a-dia,
infelizmente, que para muita gente a Vida basta e esta reduz-se a um quotidiano
maquinal, estupidificante, de pura sobrevivência, não sobrando muitas das vezes
tempo para exercer a dignidade e a autenticidade que a humanidade exige.
Vive-se a escravatura do trabalho, o consumismo, o materialismo, "o que está a
dar": ter carro, casa, bibelôs de
toda a espécie... Temos tudo e acabamos por nada ter. Vivemos o Ter e não o
Ser. É esta a máxima da nossa sociedade.
Ainda assim continua, através do
Departamento de Novos Autores da Editorial Minerva, a incentivar a publicação
de obras de novos autores. Quando começou e o que o motiva ou apaixona a
prosseguir esta tarefa?
Sempre gostei de tudo o que é marginal. Marginal é, para mim,
quase o sinónimo de alternativo. Em sentido radical, não há novos nem velhos
autores, não há nem consagrados nem desconhecidos pois o importante mesmo é que
haja pura e simplesmente autores. Em Portugal sempre se deu pouca ou nenhuma
importância aos autores que começam a manifestar o seu talento e quantos são
aqueles que por essa e outras razões desmotivam e ficamos sem saber da
importância e relevância de muitos que acabam por desistir com o nefasto
sentimento de não valer a pena. É evidente que leio os chamados "consagrados"
ou mais conhecidos (muitos dos quais produtos de máquinas publicitárias de todo
o tipo), contudo, devo dizer-lhe que me dá imenso gozo ler pela primeira vez um
determinado autor cujos restantes e únicos leitores - para além de mim - terão sido a vizinha, a família, um ou outro
amigo e pouco mais. E mais aumenta esse gozo quando constato que muitos superam
em qualidade, em espontaneidade e em autenticidade, alguns nomes de que toda a
gente fala julgando que são esses os "bons" e os "verdadeiros" escritores e
poetas. HÁ MUITA CONFUSÃO SOBRE O QUE É A LITERATURA! Esta não é nem se reduz à
produção de meia dúzia de nomes da prosa e da poesia. A Literatura também pode
ser "feita" pela vizinha Maria que é doméstica, pelo Manuel António que é
padeiro e pelo João Malaquias que por acaso é professor universitário. E nunca
a "qualidade" é proporcional à formação académica ou outra. Em Literatura o
academismo conta muito pouco. Quantas vezes não é mais do que empecilho, um
obstáculo.
A Editorial Minerva - através do DNA - tem realmente uma vocação de
descoberta e incentivo aos novos valores. Temos consciência de que uma boa
parte dos autores que publicamos não o serão efectivamente, mas... é necessário
dar uma oportunidade a todos; quantos são aqueles que realmente evoluem e isso
traduz-se numa grande satisfação. Podemos dizer que perpassa no nosso trabalho
uma dimensão iniciática, didáctica, pedagógica e em alguns casos uma espécie de
"psicoterapia pela Literatura".
Como é ser editor em Portugal?
Eu não sou propriamente editor;
colaboro sim com uma editora que me dá alguma liberdade de acção para
desenvolver projectos no âmbito da descoberta e acompanhamento de novos autores
e tal trabalho dá-me alguma satisfação na medida em que acredito que em cada
cinquenta autora que ajudo a revelar, pelo menos um haverá de valer a
pena. Contudo, ser editor em Portugal é
uma forma de vida nem sempre compensadora a muitas dimensões. Estou ligado à
edição e aos livros por pura paixão e por achar que podia fazer desta
actividade uma espécie de serviço público. Em termos gerais, é uma actividade
algo penosa, economicamente arriscada, desgastante e quantas vezes mal
compreendida pela Comunicação Social, por alguns autores e pares.
Como surgiu o DNA da Editorial Minerva?
Quantos novos autores já lançou? Quais os casos de maior sucesso? Existem nomes
de referência no actual panorama literário que tenham passado pelo DNA?
O DNA surgiu de um convite feito
pelo gerente da Editorial Minerva há
cerca de cinco anos. Não sei precisar bem quantos autores já revelamos porque a
forma como o fazemos varia: editamos antologias, colectâneas, CD's e edições
singulares, contudo, e considerando todas estas formas de edição e revelação,
poderemos dizer que já editamos para cima de quinhentos autores. Quando me
pergunta quais os casos de maior sucesso, tenho muitas dificuldades em
responder na medida em que não é o sucesso que me move; nem sequer sei o que é
isso de sucesso embora ensine este conceito nas aulas de Psicologia. O nosso sucesso
é conseguirmos trazer do obscurantismo, do desconhecido, do total anonimato,
alguns autores que, mesmo estando no meio de outros de menor ou nenhuma
importância, puderam ver a luz do dia e, como acreditamos que há alguma justiça
no mundo - nem que isso demore séculos - tais autores irão ter a importância, o
reconhecimento e o papel que merecem.
Não há - no meu ponto de
vista - um "actual panorama literário português" no sentido em que meia dúzia
de escritores e poetas o integram e o resto serão "escrevinhadores" ou meros
trabalhadores da palavra. Basta eu receber na editora três poemas de um
qualquer jovem natural de Alguidares de Cima, de quem nunca ninguém ouviu
falar, para que se altere de imediato o "actual panorama literário português".
É tudo treta! Contudo, poderia citar dez a vinte nomes - sobretudo poetas - que
decerto irão ficar na dita Literatura portuguesa como referências
incontornáveis.
Editar em Portugal é dispendioso?
Em quanto fica, em média, uma edição de autor para um livro de 250 páginas?
Por exemplo, para um professor de qualquer grau de ensino - que
aufere mensalmente a vergonha de um ordenado - que pouco mais dá do que para
sobreviver, é evidente que é dispendioso fazer edições de autor em Portugal. Mais
vergonhoso se torna quando esse mesmo professor, sendo honesto e interessado,
consome imensos livros e não tem nenhuma ajuda ministerial para esse efeito.
Mas, puxando a brasa à
nossa sardinha, devo dizer-lhe que a Editorial Minerva - pelo facto de ter uma
gráfica própria e serviços afins - pratica talvez o melhor preço do mercado
português em matéria de edição e acompanhamento de obra dignificando os autores
e as obras com a sua antiga e reconhecida chancela. A Editorial Minerva existe
desde 1927 e publicou o primeiro livro de José Saramago. Vem de longe a
tradição de apoiar "novos" autores!
Em relação ao exemplo que
dá, é muito difícil dizer em quanto fica a edição de um livro pois depende não
apenas da paginação como da tiragem, dos materiais e do tipo de acompanhamento
que é realizado. Se alguém estiver interessado, deve dirigir-se à Editorial
Minerva que será sempre bem-recebido. Se, minimamente, nos agradar o que
escreve, tudo faremos para a realização desse seu sonho.
O nosso país tem - para além do
Ministério da Cultura - O Instituto Português do Livro e da Leitura, a
Associação Portuguesa de Escritores e diversas entidades congéneres, que
concedem subsídios, bolsas e prémios-revelação para novos autores. Mesmo assim,
muitos escritores têm de pagar do seu bolso a edição dos seus livros. Parece
que há aqui qualquer elo que falha, qualquer desencontro. Será falta de
informação... ou a justificação é outra?
Não entendi muito bem o objectivo da questão, contudo, aproveito
para lhe dizer que está na hora de as pessoas compreenderem que editar um livro
é quase como comprar um quadro ou outra qualquer obra de Arte. Não é um
investimento puramente materialista, mas sim um investimento espiritual. É
também e sobretudo, uma questão de mentalidade. Não se compra um móvel que
custa trezentos contos e utiliza-se essa verba para fazer o tal livro que se
queria editar e que se andou sempre à espera que a proposta de um editor caísse
do céu; ora, tal procedimento é uma ingenuidade total no "actual panorama
literário português".
Na sua opinião, a ficção
portuguesa está ou não em crise em termos de venda?
Se partimos do princípio que não se lê em Portugal, então é toda
a Literatura que "está em crise". Curiosamente, e apesar de tudo, existem
muitos eventos relacionados com a poesia e os poetas e, contudo, tais
manifestações não significam mais vendas. As pessoas - parece-me - gostam mais
da parra do que da uva. Ainda assim, lê-se mais ficção do que poesia.
Essa crise será só de âmbito
nacional?
A crise é internacional, mas é
assustador o que se passa neste país. Nós, os que temos a missão de
espiritualizar o mundo! (a velha ideia do V Império...).
Mas se é tão difícil um novo
autor lançar-se em Portugal, como podem explicar-se casos de sucesso como o de
Pedro Paixão, o autor de "A Noiva Judia" ou "Viver Todos os Dias Cansa"?
Sinceramente, não gosto muito de
Pedro Paixão e não me parece que o sucesso de um autor se traduza única e
exclusivamente em vendas de uma ou outra obra sua. Muito antes de este autor se
revelar, quantos outros autores que provavelmente nunca ninguém irá ouvir falar
me passaram pelas mãos com produções que eu considero muito mais. Este autor
não inovou, tudo aquilo já foi tentado, escrito e ultrapassado. É tudo uma
questão de marketing, contactos,
trocas, insistência e certos conhecimentos.
Em Portugal, que camada procura
mais o livro - adolescentes, adultos, idosos, outros - e porquê?
Não sei responder.
Parece-lhe que os portugueses
lêem mais autores nacionais ou estrangeiros?
Felizmente, e para bem de todos, está-se a ler cada vez mais
autores portugueses.
Na sua
opinião, em Portugal compra-se um livro pela obra ou pelo nome e sucesso do
autor? [O exemplo de Saramago é flagrante: depois do Nobel esgotou edições em
poucos dias, quando a sua obra já existia antes e com a mesma qualidade].
Infelizmente e estupidamente,
compra-se mais livros em função do nome e do "sucesso" do autor. Vivemos a
"cultura de rebanho". Efectivamente o nosso prémio Nobel é - como refere - um
bom exemplo desta atitude.
No seu caso, o que pode dizer-me
da recepção da sua obra pelo público? [já agora, quais os títulos (faltam-me
alguns) e data de publicação? Foi sempre editado pela Minerva?]
Eu não sei se sou escritor e muito menos se tenho uma "obra" -
tal coisa não me preocupa absolutamente nada. Quanto à recepção da minha "obra"
pelo público, posso dizer que é óptima se tal coisa se traduzir em vendas. Nunca fiz
nenhuma edição superior a mil exemplares e todas elas se esgotaram. Confesso
que sempre me estive lixando para o público e nunca me preocupei muito com a
recepção das minhas "coisinhas" pois também nunca lhes dei a importância que
devia. Parto desta máxima para mim próprio: "se as coisas que faço - em termos
literários - têm alguma importância e interesse para a humanidade, então mais
cedo ou mais tarde (saiba-se: alguns séculos ou milénios), o mundo irá notar
que existi". É evidente que poderei contemplar e avaliar tal profecia pois
estarei decerto em outra superior reencarnação a tentar ser verdadeiramente um
escritor. É uma arrogância intitularmo-nos escritores. Creio que não é possível
qualquer acto criativo sem uma grande dose de humildade. Perante o Mistério da
Vida e da Morte, tudo é insignificante! [Livros publicados: Eu, O Ser E A Dúvida, Edições Orpheu,
1989 (esgotado); Compra-me Um Deus,
Edições Orpheu, 1992 (esgotado); Bosque
Flutuante - o vírus na rede dos camaleões (colectânea de 12 autores),
Editorial Minerva, 1996; Da Ressurreição
do Espanto, Editorial Minerva, 1998].
Que género literário é mais
procurado pelos portugueses?
O género literário mais procurado
pelos portugueses parece-me ser a literatura cor de rosa, a literatura erótica
e os jornais desportivos. Encontrar um verdadeiro leitor de poesia é como
encontrar num domingo à tarde, uma nota de dez mil escudos no chão.
De acordo com dados da APEL, em
Portugal publicam-se cerca de oito livros por dia, mas a sua tiragem tem vindo
a diminuir. O presidente da APEL, Francisco Espadinha, diz que a redução das
tiragens é uma estratégia dos editores para estimular a procura. Como editor,
concorda com esta justificação?
Creio que os dados da APEL não estão correctos; creio que se
publica mais do que oito livros por dia - não podemos menosprezar, subestimar e
secundarizar as chamadas edições de autor. Não concordo nem discordo com
Francisco Espadinha na medida em que tais análises não me interessam muito.
Quando se decide uma determinada tiragem para um novo autor da Editorial
Minerva, tal procedimento implica sempre uma deliberação e uma decisão
consciente e coerente com as leis do mercado e as hipóteses de vendas e de
ofertas pois uma boa parte das edições têm como destino serem ofertadas. A
Editorial Minerva tem uma forma de trabalhar que não se liga muito a cânones e
a mobiles economicistas. A razão mais importante para a edição de um livro, é o
prazer de partilhar o próprio livro bem como contribuir, desinteressadamente,
para a satisfação, afirmação e dignificação do autor e da obra.
Países como o Reino Unido têm autores de
culto, cuja escrita serve de porta-voz aos dilemas da geração-urbana. Em
Portugal existirão casos destes? Quais são os escritores?
Claro que há em Portugal - tal como no Reino Unido - autores de
culto (e autores para "minorias"). Se me permite, apresento-me humildemente
como tal - eu e o meu amigo Abílio Sampaio (que partilhou do meu último livro
com um magnífico conjunto de poemas a que deu o nome de «Um Outeiro do Ninguém») e mais cerca de vinte ou trinta autores
publicados pela Editorial Minerva. Culto significa aquele que se cultiva. Como
sabe, em Portugal há alguns autores que são mais cultivados do que cultos.
Consegue comparar-me a situação
do livro em Portugal com a que ele vive nos outros países da União Europeia?
Apesar de viajar um pouco, não possuo muitos dados que me
permitam aventurar em tal comparação, contudo, tenho a sensação de que na União
Europeia, o produto livro goza de melhor saúde, de mais procura e de melhor
acessibilidade económica.
Apesar do
pouco sucesso da literatura no nosso país, falar de livros e da escrita ainda
enche auditórios. Tal é o caso do "Jornal Falado da Actividade Literária", dos
debates "Cem livros do Século", no CCB e do "Com os Livros em Volta", na
Culturgest. Para além das sessões de divulgação de poesia que ocorrem um pouco
por todo o país, sempre com casa cheia. Consegue explicar-me este paradoxo?
Efectivamente,
parece haver uma situação paradoxal quando constatamos que eventos relacionados
com a divulgação do livro estão repletos de gente, e, na volta, as vendas de
livros relacionadas com tais eventos, não correspondem a tal aparato. A minha
experiência na produção e organização de lançamentos de livros corrobora o que
disse pois constato cada vez mais (é claro que há excepções), que nem sempre
"muita gente" num evento literário é sinónimo de vendas. As pessoas muitas
vezes vão a um evento de natureza literária apenas para serem vistas, "meterem"
conversa com uma figura mais-ou-menos-pública, levar um vestido novo... quantas
vezes para casar a filha com um modelo feito à pressa, um actor de telenovela que
também aparece ou um intelectual de meia-tijela. Ele há gente para tudo!
É claro que não consigo nem quero
explicar o paradoxo que me coloca: ir ao CCB é fino. Dizer a um amigo que
estivemos na Culturgest dá a sensação
de que se é culto...
Considera que programas como
"Acontece" e "No Sofá Vermelho" influenciam o consumo do livro em Portugal? A
que nível?
O programa «Acontece» é
efectivamente uma referência no designado jornalismo cultural, mas não é um mar
de rosas; é importante e interessante, mas tem que deixar de ser uma capelinha. Está a tornar-se um programa
apenas com uma perspectiva cultural (demasiado intelectualista e arrogante),
isto é, falar de cultura, caros amigos do «Acontece», não é falar apenas de
meia dúzia de escritores e de artistas. Falar de cultura implica falar daquele
que editou - por exemplo - o seu livro número trinta, mas também daquele que
está agora a editar o seu primeiro livro. Quem vê o «Acontece» com
regularidade, julgará erradamente ser apenas aquilo que se passa no país em
termos culturais e literários. Ora, tal atitude por parte da produção do
programa é uma arrogância, uma prepotência, uma mentira... Jornalismo cultural
não é bem o que se faz no «Acontece». Repare no seguinte: a Editorial Minerva
realiza uma média de três a quatro eventos literários por mês; é uma sorte
quando o «Acontece» noticia um. É claro, estão sempre em primeiro, em segundo e
em terceiro lugar os membros da capelinha!
Apesar do panorama ser
desanimador para os novos autores, os cursos de escrita criativa para formar
novos escritores florescem de Norte a Sul do país e existem já casos notórios
de sucesso ao nível da procura, como é o caso da "Aula do Risco", com o
escritor Rui Zink. Este investimento fará sentido em Portugal?
É evidente que ninguém nasce escritor. Um escritor - isto é,
alguém com sensibilidade para a Literatura e que produz escrita com
regularidade, sem ser por encomenda ou por motivações económicas - é sempre
fruto de uma determinada e cuidada educação, de uma cultura, de determinadas e
peculiares vivências: "originais", literárias, estéticas, místicas,
filosóficas, etc. É claro que ninguém é escritor porque decide ser escritor, é
necessário talento, trabalho, leitura, investigação, técnica, capacidade de
inovação e ousadia pela diferença. Um escritor é um provocador de impossíveis,
deve «espicaçar as consciências adormecidas no sono fácil das ideias feitas».
Se é este tipo de coisas que se ouve e aprende num curso de escrita criativa,
então acho que tem algum sentido existirem; se, por outro lado, um curso desta
natureza consistir em ensinar alguém a escrever um poema ou um conto à maneira
do Rui Zink, então não vale a pena pois já cá temos o Rui que, de longe,
prefiro a escrever do que a falar - e muito menos na Televisão.
Na sua opinião, nasce-se escritor
ou o talento também pode aprender-se ou ser aperfeiçoado em aula?
Como já referi, ninguém nasce escritor; este acontece
condicionado por imensas razões e circunstâncias. O talento e amadurecimento
criativo-literário pode ser ajudado e aperfeiçoado; em parte, uma boa aula (e
um bom professor) pode contribuir muito para isso.
Cada dia que passa existem mais
pessoas a ligar-se à Internet e a optar por pesquisar no ciberespaço, em
detrimento das bibliotecas. Que possibilidades existem de o livro perder o seu
lugar na sociedade?
Creio que, quanto mais suportes
de informação existem, mais o livro está de pedra
e cal. O livro é a grande referência da humanidade. Pode crer - e isto é
uma profecia - o livro impresso em papel jamais deixará de existir mesmo que me
instalem no cérebro um chip contendo
o melhor da literatura portuguesa.
Que futuro preconiza para o livro, em Portugal e no mundo?
Que viva o livro sempre! Que possamos viver com livros, dos
livros e para os outros através dos livros!
Questionário específico ou "regional"
O distrito de Setúbal é produtivo
em termos de novos autores? Quantos é que já passaram pelo DNA?
Podemos afirmar que há autores
com obras muito interessantes no distrito de Setúbal. Não posso precisar quantos
passaram pelo DNA pois não me preocupo muito com estatísticas dessa natureza,
mas, seguramente que uns trinta ou quarenta autores que incluímos nas
antologias e outros projectos semelhantes, são do distrito de Setúbal.
Existirá um movimento literário
na região de Setúbal? Forte ou fraco?
Se não existir nenhum movimento literário em Setúbal é pena.
Caso não exista, lanço desde já o repto: contactem o DNA da Editorial Minerva e
vamos formar um movimento literário, nem que isso sirva apenas para contar
anedotas e trocar experiências...
Face à zona da Grande Lisboa ou
do Grande Porto, o distrito de Setúbal sai a perder em termos de número de
leitores e de acontecimentos literários. Concorda? Como pode justificar-se esta
situação?
É evidente que por ser capital, Lisboa aglutina e hegemoniza
muitos eventos literário-culturais, contudo, em termos culturais, não concordo
com a velha ideia de que Lisboa é Portugal e o resto é paisagem. Pelo o que me
é dado ver, tanto Setúbal como Almada, "mexem culturalmente" e têm - como os
políticos gostam de dizer - vida cultural própria preconizando assim uma
identidade e uma demarcação em relação a Lisboa.
Apesar do aparente desinteresse
literário dos residentes no distrito, existem boas bibliotecas no Barreiro, em
Setúbal, em Almada... o que devia ser meio caminho andando para um maior
sucesso da literatura. No entanto, parece que isso não sucede. Podia comentar?
O sucesso da Literatura - como diz - não passa só e apenas pela
existência de bibliotecas e de livrarias, tem mais a ver com a Educação e a
Cultura transmitida às crianças e aos jovens. Leiam todos os dias histórias às
crianças, ofereçam-lhes mais livros e menos vídeos e horas de televisão e verão
- outra profecia; tenho uma tendência para a bruxaria - um caótico estado de
coisas a se inverter.
Na sua opinião enquanto professor
no distrito, qual o papel que a escola desempenha na criação de hábitos de
leitura? Qual a reacção dos estudantes face à escrita e à leitura intra e extracurriculares?
Infelizmente a Escola está a perder terreno. Creio que as novas
pedagogias "lixaram" tudo. O ensino tem que ser reformulado completamente.
Neste caos que é o ensino, com professores tratados "a baixo de cão", o livro,
apesar de tudo, tem um papel fundamental; ora, um compêndio não é mais do que a
condensação e a síntese de um vasto conjunto de livros, contudo, creio que os
programas deveriam contemplar mais a leitura integral de obras de autores
contemporâneos.
A leitura e a escrita
intra e extracurriculares pura e simplesmente não existe. Creio que deveria de
existir ao nível do activismo das escolas uma regular e obrigatória tertúlia
onde fosse possível incentivar o gosto pela leitura e pela escrita. Sei que tem
havido louváveis tentativas desta natureza.
Considera que temos boas
livrarias no distrito, que motivem os consumidores à compra e à leitura? Podia
apontar-me alguns exemplos?
Sim, não nos podemos queixar da falta de livrarias, podemos sim
- e eu tenho algumas razões para isso - queixarmo-nos de alguns livreiros pois
de livreiros só tem o nome. Há pessoas a vender livros como se vendessem latas
de feijão ou coca-colas. Há livreiros que julgam que uma boa livreira não é
mais do que ter o Saramago e meia dúzia de "consagrados". Uma boa livraria deve
ter tudo: novos, velhos, desconhecidos, "consagrados", livros cosidos, livros
colados, capas de papel ordinário, cartonados, _____________________________
(...). Deixo este espaço para que alguém continue a lista.
O distrito terá autores que
representam a geração pós-25 de Abril? Podia dar-me alguns exemplos?
Claro
que sim. Todo o autor que não escreva por encomenda e que livremente vá dizendo
o que lhe "dá na real gana", esse autor representa não apenas a geração do 25
de Abril, mas também aquilo que de melhor há na consciência humana: a
autonomia.